Um olhar diferenciado sobre o xadrez.

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O xadrez é arte?

Para responder esta questão vou compartilhar com vocês as minhas reflexões desde que vi a posição abaixo, quando comecei a jogar.

 

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A maioria dos enxadristas quando vê esta posição, acha interessante, genial, e parte para outra coisa que desperte interesse; não aprofundam-se na sua essência.

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Acho que o meu diferencial de olhar fundo fez com que eu buscasse entender a essência do que se passa no tabuleiro, e acredito que isto tenha me ajudado bastante no início da minha carreira.

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Assim como o Kasparov tem uma composição artística que ocupa seu imaginário desde criança, conforme escreveu num livro seu, eu tenho esta composição artística feita pelo tcheco Richard Reti, em 1921, que até hoje me encanta, tanto assim que fiz um quadro desta posição, como se fosse a minha Monalisa, ou o meu enigma do tipo, decifra-me ou te devoro!

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Mas o que tem de tão especial nesta posição e que me fascinou tanto?

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O enunciado é “as brancas jogam e empatam”.
Mas basta dar uma rápida olhada para acreditar que isso é impossível!
Tem algum truque aí … alguma mágica!

Ôpa, já está começando a parecer com arte …

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O peão preto está bem adiantado, na cara do gol, e em breve vai ser promovido a dama; o rei das pretas está próximo ao peão branco, a 2 casas de capturá-lo; e o rei defensor está bem distante, no canto do tabuleiro; como é possível empatar isso?

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ANTES DE SEGUIR COM A LEITURA, MONTE ESTA POSIÇÃO NO TABULEIRO

E TENTE EMPATAR DE BRANCAS!.

UM ÓTIMO EXERCÍCIO!

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Se as brancas forem atrás do peão preto, o peão preto avança e já era … Se as brancas partem para defender o seu peão, o rei preto captura-o rapidinho … decidem então pelo caminho do meio, na diagonal,

1.Rg7!

o peão preto avança

1…h4

e repete-se a mesma situação anterior, se as brancas forem atrás do peão, ele avança, e se tentam defender o seu peão o rei preto chega antes; e vão de novo pelo caminho do meio

2.Rf6!

e o peão preto avança mais uma

2…h3

Caramba! Surge a primeira mágica, as brancas jogam 3.Re6 e conseguem defender o seu peão e promovê-lo também, empatando a partida!

Bom, então em vez de avançar o peão com 2…h3 e dar essa chance, as pretas jogam

2…Rb6

para eliminar logo a ameaça das brancas.

E agora? Se as brancas jogam 3.Re6 para tentar defender o seu peão, as pretas jogam 3… Rxc6 e era uma vez um peão … se jogam 3.Rg5 para tentar capturar o peão preto ele avança e vai embora … vão então de novo pelo caminho do meio,

3.Re5!!

e temos então a posição chave do final!

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Se as pretas avançarem seu peão, as brancas defendem o seu e conseguem promovê-lo; e se as pretas capturam o peão das brancas, as pretas entram no quadrado e conseguem capturar o peão das pretas … e o incrível aconteceu, é empate!!

Graças ao fantástico lance 3.Re5!!, com dupla finalidade, de atacar o peão adversário ou de defender o seu peão, um lance que age nas 2 alas do tabuleiro.

Este é o tema deste final, desde o primeiro lance; lances com ação em duas partes do tabuleiro; o adversário não consegue tratar as duas, e ao cuidar de uma, descuida da outra.

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É interessante notar que inicialmente as brancas estavam a 3 lances do peão adversário e a 4 lances do seu, e após 3 lances as brancas estão a um lance apenas de cada um!

Como é que pode? Passaram-se 3 lances e eu estou mais próximo dos dois peões do que há 3 lances atrás?

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Podemos constatar uma interessante característica da geometria do tabuleiro de xadrez:

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Um rei para ir de a8 para a1 precisa de 7 jogadas; e para ir de a8 para h1, portanto mais “longe”, também precisa de 7 jogadas e até mesmo para ir da oitava fileira para a primeira fileira, fazendo zigue-zague, também 7 jogadas. Então percebemos que a nossa geometria não funciona para as jogadas efetuadas num tabuleiro de xadrez, o que pode gerar uma ilusão de ótica.

 

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Mas esta posição tem mais “revelações” … esta é a menor quantidade e

qualidade possível de material para criar uma composição com tamanha

beleza, pois com apenas um peão, ou com dois peões da mesma cor, só consegue-se compor problemas elementares.

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Se com tão pouco material é possível criar esta obra-prima, imaginem quando entrarem em ação as demais peças …

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E hoje, ao olhar para este diagrama, vejo uma obra-prima de beleza e lógica!

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Máxima de Mikhail Botvinnik, ex-campeão mundial:

”O xadrez é a arte que ilustra a beleza da lógica!”.

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Bem, mostrei para vocês um jeito diferente de ver esta linda composição de

Richard Reti; espero que tenham gostado.

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Aproveito para sugerir aos aprendizes que façam suas próprias análises

detalhadas desta composição, anotando as variantes e comentários, como se

fossem publicá-las numa revista de xadrez.

E tentem visualizar a solução completa a partir do diagrama ou de um tabuleiro, sem tocar nas peças!

Dois ótimos exercícios!

 

PDF – Reti RP x RP

 

PGN – Reti

 

LANCE A LANCE

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